Olhando para pagina em branco, pensou se algum dia as letras apareceriam e formariam um texto decente, mas sua imaginação não estava ajudando muito.
Sabia que queria escrever, por quê? Não fazia ideia. Bem, muitos de seus amigos começaram a escrever – nenhum terminou – mas todos tentaram e disseram que era legal. Então resolveu tentar também, porém, agora parece que o branco ofuscante da pagina passara para sua mente, dando-lhe completo branco em relação ao que ia escrever.
Não tinha mais ideia, já são altas horas da noite, todos estão dormindo menos ela, a única luz acesa da casa era a de seu quarto, e o silencio reinava, silencio no ar, silencio em sua mente.
– Menina tola, menina burra.
Vira-se rápido para ver quem falou, atrás de si não há ninguém, e a voz tinha sido
pronunciada muito perto de seu ouvido, gelou. Olhou novamente a pagina em branco. A pagina estava bem confortável repousada sobre as outras paginas que compunham o livro. E este mesmo livro também estava muito calmo sobre a escrivaninha, nenhum pareceu se importar com a voz. E por que ela havia de se importar também? Está muito cansada e já é tarde.
–Tão tola e tão burra!
Vira-se novamente, mais rápida que antes, mas só vê seu quarto vazio, continua
olhando esperando ver alguem, todavia não a ninguém. Repara na sua cama, e lembra que já passou da hora de dormir, sente o sono atrapalhar sua visão e nota que deve ser ele a faze-la ouvir coisas, fica bem desapontada consigo por não ter escrito nada.
Voltou-se para o livro novamente, mas além da pagina em branco havia um homenzinho incrivelmente minúsculo, sentado sobre o livro e olhando pra ela com ar de debochado. E ficaram assim olhando um para o outro. Ele abriu um sorriso que ocupou boa parte de seu rosto e falou com muita calma e extremamente debochado.
– Menina tola, menina burra, não quer imitar mais Deus?
– É o que?! Quem é você? O que é você?! – Ela pode reagir finalmente.
– Como quem sou eu? Ora! Está pensando o que menina tola? Não te deram
educação, não? – Ele retrucou ainda muito debochado.
– QUEM É VOCE? – Ela berrou.
– Eu sou eu ué.
– Está me irritando!
– Então me responda.
Aquele homenzinho olhava pra ela ainda sorrindo. Responder, mas responder o que? E aquele sorriso provocante a estava irritando. Por que seus pais não vieram? Ela não havia gritado alto a suficiente? Será que tinham o sono tão pesado? O homenzinho se levantou e começou a caminhar sobre o livro, sem tirar o sorriso da cara, olhava a pagina em branco como se avaliando o que devia estar escrito.
– O que tanto olha ai? O que quer que eu responda?
– Menina tola, menina burra, desistiu e imitar Deus?
– Do que está falando?
– Menina tola, menina burra! – Cantarolou ele batendo palmas – Não sabe responder? Só
perguntar?
– E você? Só sabe ofender e perguntar?! – Retrucou ela bem irritada.
– Só.
Ficou sem palavras com a resposta dele, o homenzinho não está facilitando as coisas, ele é muito irritante, achou melhor tentar responder as suas perguntas.
– Nunca tentei imitar Deus.
– Não? Como não? Tentou sim, desistiu por quê?
– Eu não entendi, realmente nunca tentei imitar Deus.
– Menina tola, menina burra. – Persistiu o homenzinho – Se não queria imitar Deus, o que estava
fazendo?
– Quando? Onde?
– Hoje, agora a pouco. Aqui. – E apontou para o livro em branco.
Ela olha para o homenzinho boquiaberta. Será que ele é louco? Ou a louca é ela por
estar vendo ele? Aquilo tudo era um absurdo, em plena madrugada ela tenta escrever e ainda tem alucinação! Pois aquele homenzinho só podia ser isso, só podia ser fruto da sua imaginação.
– Por que diz que eu estava tentando imitar Deus?
– Oras! Não era um mundo que ia criar? – Perguntou o irritante homenzinho com seu irritante sorriso.
– Não. Só estava tentando escrever.
– Menina tola, menina burra, tentou imitar Deus!
– Não tentei não!
– Estava a escrever, queria criar um mundo! Mas oh!! Não pretendia levar sete dias, né? Pelo menos
isso, né?
– Está doido! Isso tudo é loucura! Você nem é real!
– Menina tola, menina burra. Como não sou real? – O homenzinho andou até seu braço, apoiando
os minúsculos bracinhos no dela, sempre sorrindo. – Sou real sim e estou aqui.
– Está bem, está bem. Estou te vendo e te sentindo. É real, mas o que quer de mim?
– Eu? Nada.
– Então o que está fazendo aqui?
– Adoro ver criadores e suas obras. – O homenzinho disse isso com um brilho particular nos olhos.
– Não estou te entendendo, acho que veio ao lugar errado, não vou criar mundo nenhum.
– Não?
– Não.
– Então desistiu. Uma pena. Realmente uma pena.
– O que você é? – Ela pergunta alegre por finalmente poder mudar de assunto.
– O que acha que sou?
– Como vou saber?
– Como quer que eu saiba?
– Ora! Deveria saber o que és!
– Mas credo! A menina que queria imitar Deus me dizendo o que devia ou não devia saber.
– De novo esse papo? Não queria imitar Deus! Como acha que eu criaria um mundo?
O homenzinho sorriu ainda mais, se é que era possível, e olhou novamente para o livro. Aqueles pequenos olhinhos brilharam de modo absurdo, toda aquela situação era absurda. “Eu tentei imitar Deus? Só queria escrever um pouco, mas nem consegui”.
– O que em escrever um livro tem a ver com a criação do mundo? – reformulou a pergunta.
– Tudo. És tão tola! Tão burra! Tem tudo a ver! Um mundo é o que queria criar nestas paginas! –
Disse ele frenético apontando para o livro, estava parecendo um fanático. – Sim, sim! É tola e burra!
Por que desistiu?
– De escrever? Não desisti exatamente, só não consegui. Minha imaginação não é muito boa. – Ela
respondeu humilhada.
– HAHAHA – Riu alto o homenzinho. – Agora me deixou com duvida menina! O que sou eu? –
Perguntou ele, o sorriso havia morrido em seu rosto.
Aquela pergunta mexeu com ela. Ele realmente não parecia saber o que era, mas como ela havia de saber? Não conseguia nem dormir, muito menos escrever quanto mais descobrir o que é um ser que nunca tinha visto na vida! Olhou pra ele triste.
– Não sei o que és.
– Também não sei o que sou. – Ele sussurrou desanimado, sentou-se novamente o livro em branco e
acariciou aquela pagina esperançosamente. – Menina tola, menina burra, tem na mão o poder de
dizer o que sou, de me dar um mundo e um nome, de determinar meu destino, faria isso?
Outra pergunta que a abalou. Por que ele mudou desse jeito? Por que acha que ela tem tanto poder? Ficou triste por ele, sentiu a dor daquele homenzinho, queria poder fazer o que ele queria.
– Escrever não é criar um mundo, tem muita diferença. – Ela tentou explicar.
– Menina tola, menina burra, onde está a diferença? – Os olhos dele retomaram seu brilho, mas o
sorriso agora era tímido, porem esperançoso. – O que é o mundo a tua volta? Não é só o que vê?
Por acaso está a par de tudo o que acontece no mundo? Ou só vê o que está a tua volta?
– Bom... O mundo é muito grande pra eu conhecer e estar a par de tudo.
– Exato. Você vive o teu mundo menina, vive em um mundo que ninguém mais vive. Vive o que tua
mente te mostra e o que ela da atenção, em relação ao resto do mundo. A mente de vocês humanos
é poderosa. E eu te peço que me faça um favor, crie um mundo para esse ser que nem isso tem.
Diante das falas dele, sentiu as lágrimas invadirem seu rosto, sentiu-se também confusa. Quer ajudar, quer muito ajudar. É tão estranho, tudo tão estúpido, mas ele está tão triste! E ela também fica. Esconde seu rosto nas mãos e chora. Chora bastante.
– Um livro, uma história pode criar vida, pode se tornar real, pois a mente tem esse poder. Crie uma
história pra mim, dei-me um nome e um mundo, um destino e uma vida. Tome o lápis na mão e
escreva, pois da sua mente e da mente de outros poderei viver eternamente, eternamente terei minha
vida e saberei quem sou e o que sou. Faz isso por mim? – Ele persiste.
– Faço. – ela responde sem olhar pra ele, ainda está chorando, as palavras e o momento tocam ela
no seu intimo.
Finalmente abre os olhos e novamente a pagina em branco está ali, solitária, nada mais de homenzinho sorridente ou triste, só a página, branca e pura. Ela pensa por um instante em tudo aquilo. Foi tudo mentira? Imaginação? Não aconteceu? E se foi, e daí? Agora ela olha a pagina e sabe que o branco logo será manchado. Toda aquela noite borbulha em sua mente, não para se pensar nem por um segundo. Toma o lápis na mão e sente quando ele toca o papel.
É um misto de magia que transborda pela ponta daquele lápis, está feliz e sente a grandeza de seu ato. Está escrevendo, ajudando um amigo que nem sabe se é real. “Bom, se não era real...”.
O mundo fantástico de Hélio, um homenzinho debochado
–
Agora será.
Nossaaa, essa é muito antiga! Mas postei só pra postar algo hoje. Não estou bem =/ Beijos a todos.