terça-feira, 16 de agosto de 2011

Devaneio

Olhando para pagina em branco, pensou se algum dia as letras apareceriam e formariam um texto decente, mas sua imaginação não estava ajudando muito.
Sabia que queria escrever, por quê? Não fazia ideia. Bem, muitos de seus amigos começaram a escrever – nenhum terminou – mas todos tentaram e disseram que era legal. Então resolveu tentar também, porém, agora parece que o branco ofuscante da pagina passara para sua mente, dando-lhe completo branco em relação ao que ia escrever.
Não tinha mais ideia, já são altas horas da noite, todos estão dormindo menos ela, a única luz acesa da casa era a de seu quarto, e o silencio reinava, silencio no ar, silencio em sua mente.
Menina tola, menina burra.
Vira-se rápido para ver quem falou, atrás de si não há ninguém, e a voz tinha sido
pronunciada muito perto de seu ouvido, gelou. Olhou novamente a pagina em branco. A pagina estava bem confortável repousada sobre as outras paginas que compunham o livro. E este mesmo livro também estava muito calmo sobre a escrivaninha, nenhum pareceu se importar com a voz. E por que ela havia de se importar também? Está muito cansada e já é tarde.
–Tão tola e tão burra!
Vira-se novamente, mais rápida que antes, mas só vê seu quarto vazio, continua
olhando esperando ver alguem, todavia não a ninguém. Repara na sua cama, e lembra que já passou da hora de dormir, sente o sono atrapalhar sua visão e nota que deve ser ele a faze-la ouvir coisas, fica bem desapontada consigo por não ter escrito nada.
            Voltou-se para o livro novamente, mas além da pagina em branco havia um homenzinho incrivelmente minúsculo, sentado sobre o livro e olhando pra ela com ar de debochado. E ficaram assim olhando um para o outro. Ele abriu um sorriso que ocupou boa parte de seu rosto e falou com muita calma e extremamente debochado.
– Menina tola, menina burra, não quer imitar mais Deus?
  É o que?! Quem é você? O que é você?! – Ela pode reagir finalmente.
  Como quem sou eu? Ora! Está pensando o que menina tola? Não te deram
educação, não? – Ele retrucou ainda muito debochado.
  QUEM É VOCE? – Ela berrou.
   Eu sou eu ué.
  Está me irritando!
  Então me responda.
Aquele homenzinho olhava pra ela ainda sorrindo. Responder, mas responder o que? E aquele sorriso provocante a estava irritando. Por que seus pais não vieram? Ela não havia gritado alto a suficiente? Será que tinham o sono tão pesado? O homenzinho se levantou e começou a caminhar sobre o livro, sem tirar o sorriso da cara, olhava a pagina em branco como se avaliando o que devia estar escrito.
  O que tanto olha ai? O que quer que eu responda?
   Menina tola, menina burra, desistiu e imitar Deus?
    Do que está falando?
    Menina tola, menina burra! – Cantarolou ele batendo palmas – Não sabe responder? Só
perguntar?
  E você? Só sabe ofender e perguntar?! – Retrucou ela bem irritada.
   Só.
Ficou sem palavras com a resposta dele, o homenzinho não está facilitando as coisas, ele é muito irritante, achou melhor tentar responder as suas perguntas.
  Nunca tentei imitar Deus.
    Não? Como não? Tentou sim, desistiu por quê?
    Eu não entendi, realmente nunca tentei imitar Deus.
   Menina tola, menina burra. – Persistiu o homenzinho – Se não queria imitar Deus, o que estava
fazendo?
–  Quando? Onde?
  Hoje, agora a pouco. Aqui. – E apontou para o livro em branco.
Ela olha para o homenzinho boquiaberta. Será que ele é louco? Ou a louca é ela por
estar vendo ele? Aquilo tudo era um absurdo, em plena madrugada ela tenta escrever e ainda tem alucinação! Pois aquele homenzinho só podia ser isso, só podia ser fruto da sua imaginação.
   Por que diz que eu estava tentando imitar Deus?
  Oras! Não era um mundo que ia criar? – Perguntou o irritante homenzinho com seu irritante sorriso.
    Não. Só estava tentando escrever.
    Menina tola, menina burra, tentou imitar Deus!
  Não tentei não!
   Estava a escrever, queria criar um mundo! Mas oh!! Não pretendia levar sete dias, né? Pelo menos
isso, né?
   Está doido! Isso tudo é loucura! Você nem é real!
     Menina tola, menina burra. Como não sou real? – O homenzinho andou até seu braço, apoiando
os minúsculos bracinhos no dela, sempre sorrindo. – Sou real sim e estou aqui.
   Está bem, está bem. Estou te vendo e te sentindo. É real, mas o que quer de mim?
   Eu? Nada.
    Então o que está fazendo aqui?
   Adoro ver criadores e suas obras. – O homenzinho disse isso com um brilho particular nos olhos.
    Não estou te entendendo, acho que veio ao lugar errado, não vou criar mundo nenhum.
   Não?
   Não.
   Então desistiu. Uma pena. Realmente uma pena.
    O que você é? – Ela pergunta alegre por finalmente poder mudar de assunto.
   O que acha que sou?
   Como vou saber?
    Como quer que eu saiba?
   Ora! Deveria saber o que és!
   Mas credo! A menina que queria imitar Deus me dizendo o que devia ou não devia saber.
   De novo esse papo? Não queria imitar Deus! Como acha que eu criaria um mundo?
O homenzinho sorriu ainda mais, se é que era possível, e olhou novamente para o livro. Aqueles pequenos olhinhos brilharam de modo absurdo, toda aquela situação era absurda. “Eu tentei imitar Deus? Só queria escrever um pouco, mas nem consegui”.
     O que em escrever um livro tem a ver com a criação do mundo? – reformulou a pergunta.
     Tudo. És tão tola! Tão burra! Tem tudo a ver! Um mundo é o que queria criar nestas paginas! –
Disse ele frenético apontando para o livro, estava parecendo um fanático. – Sim, sim! É tola e burra!
Por que desistiu?
     De escrever? Não desisti exatamente, só não consegui. Minha imaginação não é muito boa. – Ela
respondeu humilhada.
   HAHAHA – Riu alto o homenzinho. – Agora me deixou com duvida menina! O que sou eu? –
Perguntou ele, o sorriso havia morrido em seu rosto.
Aquela pergunta mexeu com ela. Ele realmente não parecia saber o que era, mas como ela havia de saber? Não conseguia nem dormir, muito menos escrever quanto mais descobrir o que é um ser que nunca tinha visto na vida! Olhou pra ele triste.
   Não sei o que és.
  Também não sei o que sou. – Ele sussurrou desanimado, sentou-se novamente o livro em branco e
acariciou aquela pagina esperançosamente. – Menina tola, menina burra, tem na mão o poder de
dizer o que sou, de me dar um mundo e um nome, de determinar meu destino, faria isso?
Outra pergunta que a abalou. Por que ele mudou desse jeito? Por que acha que ela tem tanto poder? Ficou triste por ele, sentiu a dor daquele homenzinho, queria poder fazer o que ele queria.
     Escrever não é criar um mundo, tem muita diferença. – Ela tentou explicar.
   Menina tola, menina burra, onde está a diferença? – Os olhos dele retomaram seu brilho, mas o
sorriso agora era tímido, porem esperançoso. – O que é o mundo a tua volta? Não é só o que vê?
Por acaso está a par de tudo o que acontece no mundo? Ou só vê o que está a tua volta?
    Bom... O mundo é muito grande pra eu conhecer e estar a par de tudo.
   Exato. Você vive o teu mundo menina, vive em um mundo que ninguém mais vive. Vive o que tua
mente te mostra e o que ela da atenção, em relação ao resto do mundo. A mente de vocês humanos
é poderosa. E eu te peço que me faça um favor, crie um mundo para esse ser que nem isso tem.
Diante das falas dele, sentiu as lágrimas invadirem seu rosto, sentiu-se também confusa. Quer ajudar, quer muito ajudar. É tão estranho, tudo tão estúpido, mas ele está tão triste! E ela também fica. Esconde seu rosto nas mãos e chora. Chora bastante.
  Um livro, uma história pode criar vida, pode se tornar real, pois a mente tem esse poder. Crie uma
história pra mim, dei-me um nome e um mundo, um destino e uma vida. Tome o lápis na mão e
escreva, pois da sua mente e da mente de outros poderei viver eternamente, eternamente terei minha
vida e saberei quem sou e o que sou. Faz isso por mim? – Ele persiste.
    Faço. – ela responde sem olhar pra ele, ainda está chorando, as palavras e o momento tocam ela
no seu intimo.
Finalmente abre os olhos e novamente a pagina em branco está ali, solitária, nada mais de homenzinho sorridente ou triste, só a página, branca e pura. Ela pensa por um instante em tudo aquilo. Foi tudo mentira? Imaginação? Não aconteceu? E se foi, e daí? Agora ela olha a pagina e sabe que o branco logo será manchado. Toda aquela noite borbulha em sua mente, não para se pensar nem por um segundo. Toma o lápis na mão e sente quando ele toca o papel.
É um misto de magia que transborda pela ponta daquele lápis, está feliz e sente a grandeza de seu ato. Está escrevendo, ajudando um amigo que nem sabe se é real. “Bom, se não era real...”.

            O mundo fantástico de Hélio, um homenzinho debochado

  Agora será.



Nossaaa, essa é muito antiga! Mas postei só pra postar algo hoje. Não estou bem =/ Beijos a todos.

3 comentários:

  1. Nossa eu já tinha lido essa história uma vez...e adoro ela....vc é 1000 ther..beijoaks elis!!!

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  2. *-------------* brigadaaa!! É antiguinha, mas também adoro ela!

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  3. Eu amo esse texto! A metalinguagem é expressa de maneira sutil e fantástica!

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